quarta-feira, 19 de março de 2014






Calças de ganga, T-shirts lisas e ténis brancos. O normcore é o novo estilo urbano, uma espécie de anti-look criado por uma agência de tendências


Longe vão os dias dos cabelos pintados de cor-de-rosa e das T-shirts com golfinhos do seapunk. A onda de roupas tingidas e com arco-íris que atacou os Estados Unidos nos últimos dois anos e que começou com uma piada no Twitter parece ter acalmado. E ainda bem - pelo menos para os olhos que já estavam cansados de tanta fluorescência. O que está na moda agora? Ser normal e não dar nas vistas.


Ou melhor, dar nas vistas por ser demasiado normal. O normcore, assim foi baptizado este estilo "normalzinho", tem como ícones as últimas pessoas que esperaríamos ver numa passerelle. Estamos a falar, por exemplo, de Jerry Seinfeld, Steve Jobs ou Larry David.


Ténis brancos da Reebok ou Adidas Stan Smith, calças de ganga e T-shirts lisas compõem o dress code do normcore, "a moda para quem se apercebeu de que é só mais um em sete mil milhões", escreve a "New York Magazine" no artigo, publicado no fim do mês passado, que deu a conhecer ao mundo este novo estilo urbano. A autora descobriu o normcore quando passeava no Soho sem conseguir perceber se as pessoas que via à sua volta "de calças de ganga, ténis confortáveis e polares" eram "estudantes de arte ou turistas americanos de meia idade". Enviou um SMS a um amigo que costuma acompanhar as últimas tendências urbanas e a resposta foi imediata: "lol normcore".

Uma pesquisa por normcore no Urban Dictionary, a referência no que diz respeito ao calão e aos novos movimentos urbanos, ensina-nos que o termo foi usado pela primeira na webcomic (uma banda-desenhada online) "Templar, Arizona" para designar uma "população fictícia". Na verdade, tornou-se bem real, especialmente depois do artigo da "New York Magazine".

O termo hashtag começou a pegar internet fora, principalmente em posts mais humorísticos. Uma foto de Obama de calças de ganga e ténis brancos circulou com o hashtag #normcore e a legenda "style icon" ao mesmo tempo que várias marcas aproveitavam a ocasião para promover as suas roupas mais básicas.

"O que eu gosto mais no #normcore são estes calções de 315 euros", brincou alguém no Twitter com um link para uns calções de ganga da Dolce & Gabbana a esse preço.


Aparentemente, o normcore, uma espécie de anti-look, chamemos-lhe assim, foi criado pela agência de tendências nova-iorquina K-Hole. Assim que o normcore se espalhou, os quatro membros da agência sentiram necessidade de escrever um comunicado no Facebook a explicar que o termo estava a ser mal utilizado. Afinal, normcore não é só calças de gangas dos anos 90 e Larry David. É mais um estado de espírito.
"Normcore significa que podes seguir qualquer actividade como se fosses um fanático", escreve a K-Hole. "Não faz sentido identificar o normcore como uma tendência de moda - a ideia é que tanto te possas vestir como uma mascote NASCAR para uma corrida, como mudar para roupas de raver para uma longa noite de drogas na discoteca. Tudo é flexibilidade infinita e apropriação cool."

ESTILOS
Seapunk
Cabelos rosa, azuis ou verdes, roupas tingidas, com arco-íris e golfinhos e alusões ao psicadelismo dos gráficos da internet nos anos 90. O seapunk começou como uma piada nas redes sociais, mas tornou-se um movimento urbano apoiado por gente como Azealia Banks. Diz-se que terá morrido quando Rihanna tentou ser do seapunk.
Ghetto gothik
Uma mistura explosiva entre o estilo do hip hop com o estilo gótico, que pode resultar numa combinação de lenços à Tupac na cabeça com roupas pretas e cruzes góticas. Na música Venus X é a embaixadora do “ghe20goth1k”, como se escreve, com sets de hip hop, reggaeton e até notícias da Al Jazeera.
Hipster
Bigode, saco de pano, óculos de massa mesmo para quem não precisa deles, camisas aos quadrados, calças justas... O estilo hipster já está demasiado mainstream para os verdadeiros hipsters. Mas tudo isso se esquece durante o Primavera Sound ou a ouvir o primeiro EP de Animal Collective.
Normcore
Ser normal é o que está na moda. Aliás, ser demasiado normal. Ténis Reebok, calças de ganga, T-shirts lisas, cabelo sem nenhum efeito especial... Nunca o estilo de Jerry Seinfeld ou Steve Jobs esteve tão na moda. O termo começou a ser usado na webcomic (BD online) “Templar, Arizona” para designar uma população fictícia.
Zombie
Não é look que se cultive todos os dias – embora fosse interessante ir assim trabalhar – mas pode sempre usá-lo na próxima acção promocional de “Walking Dead”.

Primeiro os vampiros estiveram na moda, depois chegou a era zombie que deve acabar em Julho, com o regresso dos vampiros na série “The Strain”.



Imagine um turista norte-americano em frente à Sagrada Família. Imagine chinelos da Adidas, Crocs, meias brancas, calças de lã chinesas, camisas de algodão sem nenhuma mensagem, nem corte, nem nada mais que algodão. Imagine essa pessoa que se veste para cobrir seu corpo, que nem sabe nem lhe interessa quem é o novo diretor de criação da Louis Vuitton, que leva o mesmo modelo de jeans feitos de jeas. Essa pessoa é agora a referência estética da tendência mais moderna entre os modernos: o normcore.

Os hipsters já não querem parecer judeus ortodoxos (nem os caminhoneiros-lenhadores dos anos oitenta). Agora querem parecer com Jerry Seinfeld ou Steve Jobs. Segundo explica Jeremy Lewis, fundador da revista Garmento, na New York Magazine “falamos do anti-look, de se mostrar exaustivamente anódino, se esquivar das tendências, para não ser como uma ovelha que segue o rebanho”. Entendendo o rebanho como essa elite fashion uniformizada com pitacos de Isabel Marant e americanas da ACNE Studios, a tribo do streetstyle e seus devotos.

O normcore parece assim um efeito secundário da mainstreamificaçãodo hipsterismo, ou ao menos alguns de seus códigos mais representativos como camisas xadrez ou esportivas da New Balance. Se todo mundo é especial, agora ninguém mais é. Seguindo a esquizofrênica lógica que move a moda, quando a maioria busca a originalidade, a única forma de se diferenciar (e portanto de ser cool) é… a evitando. Ser como os demais para ser único. Adotar o que os norte-americanos chamam Mall style ou look Lidl (ou qualquer outro supermercado de desconto).

Quando todo mundo busca a originalidade, a única forma de se diferenciar é a evitando. Ser como os demais para ser único

Pode ser que, a essa altura, a palavra "ridícula" tenha se desenhado em sua mente, ou, simplesmente, você sinta que seu cérebro está a ponto de fundir. Mas pense como faz o escritor e ensaista Eloi Fernández que diz que “um rico e estiloso se vestindo como se não fosse rico e estiloso” é mais antigo que a vida em si. Desde o look clochard dos anos setenta ao grungedos anos noventa.

Quando o autor de Afterpop (Anagrama, 2010) começou a ver editoriais de moda e indivíduos supostamente modernos com pose normcorepensou imediatamente em um transtorno psicológico. “Veio à minha cabeça a feição normótica ou normopatia, que é a obsessão pela convenção e a repetição da norma. Sofre a pessoa que não pode se adaptar a mudanças. Isso funciona como um mecanismo de defesa baseado na rotina”.

Segundo a colunista Fiona Duncan o normcore é, de fato, uma reação “contra a necessidade de se vestir de uma forma única e diferente”. Fernández, mais prosaico, acha que “isso pode ser considerado como um instrumento da indústria para revitalizar os produtos básicos”. Embora também revele um certo frisson, senão uma surpresa, porque em uma sociedade “onde estamos tão condicionados com como nos enxergam, e onde somos tão conscientes das implicações que cada eleição estética tem” exista gente que viva à margem disso tudo e não gaste nem um só segundo de seu tempo pensando se os Crocs com meias são a resposta adequada a alguma pergunta do universo.

Steve Jobs com seus 'mummy jeans', camiseta preta e botas de 'trekking'. / CORDON PRESS

Então, qual é a diferença entre um pai que veste calças de lã do Carrefour e tênis Stan Smith de quando era jovem, e um moderno disfarçado denormcore? Simplesmente a atitude. “A pessoa que se veste de maneira normal, digamos, é um perfeito desconhecido no mundo da moda. Onormcore, assim como o hipster, é um indivíduo que conhece em profundidade a moda e simula ter feito uma eleição básica em matéria de estilo”, segundo Fernández. Sou tão cool que posso usar essa camiseta branca sem nada e continuar sendo cool.

Inclusive as marcas de luxo estão começando a jogar com esta estética. Prova disso são as capas de chuva e casacos impermeáveis modelo esquiador lançados por Miuccia Prada na última coleção da Miu Miu. Terá futuro? Já tem.




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